Racismo e censura

Transcrição da palestra proferida no Centro Cultural Benjamin Péret no dia 20 de novembro por ocasião das atividades em torno do Dia Nacional de Luta dos Negros

Boa tarde companheiros gostaria de chamar a atenção de todos para o tema da censura que iremos discutir hoje, e que é um problema de fundamental importância. Ele está ligado muito diretamente ao problema do racismo, mas tem um conjunto muito grande de implicações políticas que é decisivo para a luta de todos os setores oprimidos, em particular a luta do negro.
Houve um acontecimento recentemente que trouxe a tona um problema que já havíamos levantado, mas que infelizmente não era discutido, porque, como todos sabem, a esquerda nacional não apenas é profundamente despolitizada, como, até certo ponto, uma esquerda apolítica, de mentalidade anarquista, e não se importa com problemas mais propriamente políticos. Nós vemos que há um enorme abuso da burguesia no terreno legal, e o terreno legal é intrinsecamente político. Diante disso, a esquerda – e não é nem que ela se coloca a favor ou contra –, mas ao contrário, nem se dá do que está acontecendo. Este problema, este incidente, trouxe a tona de uma maneira muito interessante, um problema que deve ser discutido e que tem de ser objeto de uma campanha.
O Conselho Nacional de Educação decidiu proibir a distribuição de um livro do Monteiro Lobato para as crianças das escolas públicas que recebem material patrocinado pelo Ministério da Educação. O livro em questão é um clássico da literatura brasileira, Caçadas de Pedrinho. Ele foi contestado pelo Conselho de Educação porque ele traria expressões que seriam racistas na opinião o Conselho, e se colocaria contra a lei de racismo que existe no Brasil. A imprensa mencionou bastante uma expressão que aparece no livro. Todos devem estar familiarizados com a a Tia Nastácia, uma negra, uma empregada doméstica que trabalha para a Dona Benta, que é dona do Sítio do Pica-Pau Amarelo. O sensor alegou que em dado momento do livro, o comentário que descreve Tia Nastácia subindo em uma árvore, onde diz que ela “trepou que nem uma macaca de carvão”, seria altamente ofensivo para os negros, tanto a expressão “macaca”, quanto “de carvão”.
Logicamente que poderíamos discutir a vontade sobre este problema, que é muito subjetivo, sobre quais palavras seriam boas e quais palavras seriam ruins para o negro, mas a primeira coisa que devemos notar é a seguinte questão. Este livro não foi impugnado porque fosse o propugnador de uma ideologia racista. É notório que Monteiro Lobato foi um homem de esquerda na época dele, que foi próximo do Partido Comunista, e que sua posição pessoal era contra o racismo. Quem conhece os livros que ele escreveu sabe que em suas páginas aparecem críticas contra o nazismo, e que ele, de um modo geral, Lobato tinha uma ideologia progressista. O livro estaria sendo contestado, não por ser racista em si, mas porque conteria expressões que o Conselho considerou ter um cunho racista.
Isso deu margem toda uma polêmica. Várias pessoas se insurgiram contra tal decisão, que eu devo adiantar, é uma decisão absurda, onde se mistura não apenas uma completa idiotice intelectual, como trás embutido aí uma atitude profundamente reacionária, liquidadora de qualquer cultura, não só da cultura brasileira, mas da própria idéia de cultura em geral.
O Conselho se defendeu, mas finalmente, o governo considerou que não seria uma boa política esta restrição. Suspendeu a decisão do conselho e atualmente está se discutindo se o livro será editado, quer dizer, com observações destas sumidades que dirigem esta maravilhosa instituição que é a Educação nacional, estes gênios da cultura humana, que irão dizer para as pobres criancinhas o que é bom ler e o que não é bom ler. Pessoalmente eu nem sei quem faz parte deste Conselho, mas jamais daria a eles a autoridade de julgar – aliás, não daria a ninguém essa autoridade, nem vivo nem morto –, mas certamente não daria a este conselho a autoridade de julgar o que é ruim ou bom na cultura nacional. Enfim, a questão ficou neste pé.
Precisaríamos dizer logo de cara que esta medida, que aparentemente seria uma defesa do negro – eu vou explicar também que não é uma defesa do negro, mas exatamente o oposto –, é uma política brutal de censura.
É absolutamente evidente que, se um critério como este, um critério obscurantista, reacionário, direitista, que transforma a manifestação de uma determinada opinião em algo a ser penalizado em crime, é uma volta às instituições mais terríveis que a humanidade conheceu, que procuraram no final da Idade Média e início da Idade Moderna, estrangular a luta da humanidade para se expressar livremente. É uma iniciativa brutal e inclusive criminosa, que deve ser combatida com todas as forças por todo mundo. Ninguém deve se deixar enganar nem por um segundo, que isto constitui uma defesa da luta do negro.
Vejam o seguinte, só para ficar mais claras as implicações deste tipo de política. Com esse critério, o que na cultura humana em geral, estaria permitido para as nossas pobres criancinhas? Sempre lembrando, os primeiros a serem “salvos” pela “contaminação ideológica perversa”, são sempre as criancinhas, mas isso irá chegar até as pessoas de 90 anos de idade também, atravessando todas as faixas etárias. A restrição da manifestação da opinião é um animal carnívoro e feroz. Primeiro ele come no terreno das criancinhas. Depois descobrem que os jovens também são influenciáveis; aí toda a população infanto-juvenil é “protegida” pelos carnívoros. Depois, a população juvenil será “protegida”. Irão descobrir depois que todos os seres humanos não estão preparados para serem expostos a qualquer tipo de coisa, e quando nos dermos conta, estaremos debaixo de um tribunal da Santa Inquisição que decide qual opinião é boa e qual opinião é ruim. Qual opinião é boa?. Por exemplo, como julgar? A Bíblia, por exemplo, que é o livro de várias religiões no Brasil. Nós podemos rapidamente folhear este livro e destacar várias coisas contra a mulher, contra o negro, em defesa da escravidão. O Conselho Nacional de Educação vai proibir que as criancinhas católicas e protestantes leiam a Bíblia? Isso se transformaria em aberta perseguição religiosa. O Talmude? Este livro foi escrito no século VII, será que ele é moderno? Será que ele está de acordo com os cânones destas sumidades? Lógico que não. E os escritos dos judeus, passariam pelo crivo? Também não. Então quem passaria? Camões, ele passaria por este crivo? Não. O padre Vieira, um dos clássicos da literatura em língua portuguesa, as crianças podem ser expostas ao perigosíssimo padre barroco? Também não. E na literatura universal? Os ingleses e milhares de outras pessoas em todo o mundo consideram Shakespeare o maior escritor que a humanidade já teve em todos os tempos. E seus livros, onde aparecem demonstrações claras de racismo contra os judeus? Vamos proibir os Shakespeare também? E onde irá parar isso, quem irá colocar um limite? Quais autores? Já dá para perceber que isso é uma monstruosidade. Também a idéia de que o livro seja comentado, editado, mutilado, anotado, recomendado, é outra monstruosidade. Daqui a pouco, o cidadão irá entrar em uma livraria e estará lá, Marquês de Sade, com uma etiqueta na capa: Pornografia, Violência Sexual, etc. Será uma sociedade dirigida por um tribunal de opinião.
Vamos começar esta palestra estabelecendo claramente a posição do Partido da Causa Operária sobre a questão da censura: nós somos contra toda e qualquer e mínima, e até mesmo residual, manifestação de cerceamento da comunicação entre os seres humanos. Não deve existir tribunal moral. O PCO não dá autoridade a nenhum conselho, nem federal nem estadual, nem municipal nem de bairro, nem latino-americano, nem mundial, para dizer nada sobre o que os outros pensam. Não tem que haver censura, não tem que haver proibição alguma, quem quiser falar que fale. Na nossa opinião, o fato dos jornais serem registrados pelo Estado já é um atentado contra a liberdade de expressão. As leis que punem a injúria a calúnia e a difamação são censura. Todo tipo de manifestação de censura na internet, a pretexto seja lá do que for – porque as causas, como vocês podem ver, são sempre causas sagradas. No Conselho de Educação é o racismo, na Internet é a pedofilia. Querem proteger o mundo de todo tipo de maldades. Mas o mundo não precisa da proteção dessas pessoas. O PCO dispensa todo tipo de protetores, até porque, nós iremos descobrir mais tarde, que os protetores são como a máfia. A proteção deles é uma opressão sobre as pessoas que eles protegem. Somos, portanto, contra qualquer tipo de restrição. É importante ainda assinalar o seguinte: não existe no mundo hoje nenhum único país onde a expressão do pensamento das pessoas seja totalmente livre. A liberdade de expressão foi duramente limitada em todo o Planeta Terra, e logicamente que isso é um resultado de uma pressão do imperialismo. Há lugares onde você é proibido de falar contra o governo, e isso seria “mau”. Há lugares onde você é proibido de falar contra os judeus, e isso seria “bom”. No Brasil, você já não poderia falar contra o negro, isso é uma piada, pelo menos para quem mora no Brasil, é uma piada. De qualquer maneira, impera a restrição em primeiro lugar. Sendo assim, nossa posição sobre isso é absolutamente clara. Nós somos contra qualquer restrição. Não se trata de discutir como alguns discutiram, se o que a pessoa falou é bom ou ruim. Isso é irrelevante. A nossa defesa da opinião é incondicional. Para ser incondicional é preciso ser claro. Nós defendemos inclusive que o pior seja liberado, porque se o pior foi liberado, o melhor também será. Se o pior for proibido, no desenrolar da situação, o melhor será proibido e o pior será liberado. Porque o princípio funciona de maneira arbitrária.
Vou citar um caso famoso que aconteceu na França. Organizações democráticas – o mundo está cheio de gente bem intencionada – entraram nos tribunais franceses contra um livro que defendia que o Holocausto nunca existiu, que tudo não passava de uma mentira que os judeus inventaram, etc. Eu logicamente que não posso concordar com esta opinião e acho que também os juízes franceses não concordavam com esta opinião, mas eles deram como ganho de causa o direito que a pessoa tinha de falar que o Holocausto nunca existiu. Direito dele. Se a pessoa quer falar contra os judeus, fale contra os judeus. Se quiser falar contra os negros, fale contra os negros. Se quiser falar contra as mulheres, fale contra as mulheres. Se quiser falar contra a classe operária, fale contra a classe operária. Falem o que quiser, esta é nossa política.
Vergonhosamente, na imprensa nacional, abriu-se a discussão de se, no livro de Monteiro Lobato, a expressão usada pelo escritor seria boa ou ruim. Isso não importa. Nenhum conselhinho de Educação, formado por politiqueiros indicados por políticos corruptos, tem o direito de censurar Monteiro Lobato. Não interessa o que Lobato falou. Fale o que ele quiser. Eu pessoalmente não concordo com nada do que está na Bíblia, mas eu sou contra que seja censurada. Se a pessoa quer ler a Bíblia, que leia a Bíblia. Você pode escrever outro livro dizendo que o que está lá é retrógrado, é errado, etc. Mas proibir a pessoa de ler a Bíblia, não. Idéias devem ser combatidas com idéias. Se um cidadão imprimiu um volume, você imprime o seu e combate o dele. A censura é um problema, e nós devemos ter uma posição clara sobre a questão. Nós não podemos ficar sob a chantagem moral dos “padrecos” de ocasião que estão tentando intimidar a população. Se vier alguém e falar: “Mas você é favorável que venha um cidadão diga que o negro é sujo?”. Sim, eu sou favorável que ele diga que o negro é sujo. Eu combaterei ele, escrevendo também. Se ele disser que o negro é sujo, eu digo que ele é que é sujo. Ele fala, eu falo. Agora, não sou favorável a proibir ele de falar. Esta é a questão chave. Isso é um problema muito grave, porque a censura serve somente a um único objetivo, a coisa toda pode dar muitas voltas, mas irá terminar invariavelmente com a censura daqueles que são contra a bandalheira reinante. Não irá ser censurado, não sejamos ingênuos, o grande empresário racista. Na hora que a burguesia brasileira decidir apoiar o nazismo, eu desafio o Conselho Nacional de Educação a ir censurar a opinião dos grandes empresários. Na hora que os bancos decidirem falar, eu desafio todos os esquerdistas que estão no Conselho de Educação, a ir lá e impedi-los de falar seja lá o que for. Eles nunca conseguiram e nunca irão conseguir. Agora, se eles conseguirem estabelecer um critério de que uma pessoa poderá ser punida pelo que ela fala, todo operário, todo defensor da mulher, todo oprimido, todo sem-terra, vai ser censurado, como está sendo censurado hoje. E a burguesia não vai ser censurada. A hora em que José Serra decidir falar ele irá falar. A hora em que o Papa decidir falar, ele irá falar. E o Conselho de Educação não irá impedir nenhum dos dois. Colocado de outra maneira, nós estamos diante de uma farsa, em primeiro lugar. A censura termina da seguinte maneira: o oprimido não pode falar. Termina sempre assim. Este é objetivo da censura, e o tribunal moral representa a opinião dos poderosos, sempre.
Inclusive, esta lei de racismo recentemente aprovada é uma farsa total. De todas as pessoas que falaram contra os negros, as que são poderosas, nenhuma foi punida. Desafio a mostrar quem foi punido. E há negros que foram punidos pela lei de racismo. Aqui funciona da seguinte maneira. Se um senador, como ocorreu recentemente, disser algo desabonador contra os negros, não existe prisão. Não existe processo. Ele pede desculpas e acabou. Por outro lado, se um professor negro falar alguma coisa contra um judeu, por exemplo, ou até contra um branco. Este será punido. Também a lei de racismo, que é uma lei de censura, é uma lei para punir os explorados.
No Brasil e no mundo de hoje há uma tendência, que existe já há duas décadas aproximadamente, e que é uma tendência profundamente reacionária, que é a tentativa de substituir a política pela moral. O que era um problema político, social etc. torna-se um problema moral. Os mais velhos hoje aqui presentes provavelmente se lembram que quando a população levantou-se contra Collor, em 1992, iniciou-se um movimento dos políticos mais corruptos que o Brasil já teve em sua história, chamado Movimento Pela Moral na Política. Inicialmente estes elementos haviam apoiado Collor, presidente que eles mesmos ajudaram a eleger em uma eleição altamente fraudada e manipulada, um espetáculo de completa falta de democracia. Posteriormente, no entanto, estes elementos se aproveitaram do fato de que havia uma série de denúncias de corrupção contra o presidente, para impor um critério moral no terreno da política. Este critério acabou abraçado também por toda a esquerda na época. Os mais esquerdistas, por exemplo, como o PSTU, que é uma caricatura da burguesia, ele estabeleceu o seguinte critério: a defesa da moral revolucionária. Como se o acréscimo da palavra “revolucionária” mudasse a natureza da coisa.
Como se vê, este é um problema sério, mas a moral deve ficar fora da política. O estabelecimento do tribunal moral é o pior tipo de opressão que pode haver no mundo. Em primeiro lugar precisaríamos definir: “Qual é a moral?”. Quem decidirá qual é a moral? Faremos um congresso mundial de seis bilhões de habitantes em uma discussão democrática para definir qual é a moral a que deve se submeter a humanidade? Logicamente que não. Quem define sempre qual é a moral, são as instituições morais da sociedade, sendo elas as igrejas, a direita e os poderosos de um modo geral. A moral dominante na sociedade é a moral dos poderosos.
Um segundo problema é que a moral é algo totalmente subjetivo. A moral para um poderoso é aquilo que interessa para ele, e o resto dos mortais teriam que obedecer. A Santa Inquisição foi um tribunal moral, e ela funcionava da seguinte maneira: haviam os cidadãos poderosos que possuíam o poder de mandar quem eles quisessem os tribunais da Santa Inquisição. Se um destes elementos achasse que determinada pessoa era uma herege, que havia feito algo de errado, ela estava perdida. Isso porque acusações morais são totalmente subjetivas. Tanto que aconteceu que naquela época, muitas pessoas que apoiavam o tribunal moral, considerando ser ele um fator progressista da sociedade, que a moral devia ser defendida, acabaram elas mesmas perseguidas pelos tribunais morais e queimadas na fogueira. O tribunal de opinião é aquele que decide o que é “bom” e o que não é “bom” dizer. Mas quem irá decidir?, eu volto a perguntar. E se descobrirmos que existem determinadas coisas que não merecem ser ditas, que são perniciosas. Faríamos talvez como na Alemanha nazista e mandar atear fogo aos livros? Isso deve ser rejeitado completamente. A política é a expressão dos interesses materiais que existem em uma determinada sociedade. Os explorados devem tomar o cuidado de defender os seus interesses, e não admitir que nenhum tribunal de ordem superior ao interesse dos seres humanos defina os rumos desta sociedade. A política moral deve ser rejeitada como algo totalitário, profundamente arbitrário e profundamente contra-revolucionário.
Nas eleições recentes, o Papa, este indivíduo que foi já fotografado em um uniforme nazista – portanto alguém no qual devemos confiar sem reservas –, este homem, Joseph Ratzinger, disse, sobre a eleição brasileira – ele nem é brasileiro, mas alemão –, que os candidatos a presidente deveriam se pronunciar sobre a questão do aborto. Mas Ratzinger não tem o direito de exigir nada. Ele falou claramente na ocasião o seguinte: “a moral deve dirigir a política”. O que deve ser entendido, no português correto como: “a Igreja Católica e o Vaticano devem dirigir a política”. Por isso reafirmamos: nada de tribunal moral. O que nós, do PCO queremos, é que a população lute pelos seus interesses contra os interesses da burguesia. Podendo ou não, tendo força ou não, nós iremos exigir que as leis reflitam esta luta de interesses e mais nada. Os explorados, a esquerda brasileira e internacional, não deve aceitar a injunção moral sobre a política.
Gostaria agora, antes de voltar para a questão do racismo e da censura, abordar rapidamente o problema das liberdades democráticas em geral.
Na eleição presidencial anterior a esta, quando toda a esquerda apoiou uma candidata ligada à Igreja.
Os esquerdistas idiotas e analfabetos que defendem esta política querem colocar nas mãos deste monstro de 500 anos que é o Estado nacional brasileiro, o critério do que é bom ou ruim de ser lido. Estado dominado por um Congresso Nacional de bárbaros, corruptos, Estado dominado por uma burocracia semi-analfabeta, por latifundiários que ganham eleições explorando a fome das pessoas no interior do País. Serão estes os que irão decidir o que é bom de ser aproveitado da cultura humana. Onde estas pessoas aprenderam a ser de esquerda?
Há uma ofensiva geral contra as liberdades democráticas. Sobre a luta do negro, segundo a propaganda oficial, esta lei do racismo teria sido feita em defesa do negro. É necessário desmascarar completamente esta tese. Porque é que a censura de opinião – que certamente não irá ficar nas expressões de palavras negativas contra o negro –, iria favorecer o negro? A censura sempre foi a arma da burguesia. Recentemente eu dei uma palestra onde eu mostrei que os capítulos mais censurados da historiografia e da literatura nacional, são as lutas dos negros, tanto o Quilombo dos Palmares quanto a Revolta da Chibata.
Nosso centro cultural chama-se Centro Cultural Benjamin Péret. Este homem, Péret, um trotskista e poeta surrealista francês, esteve no Brasil, onde ajudou os trotskistas a organizarem as primeiras organizações da IV Internacional do País. Como ele era um espírito curioso, ele descobriu que no Brasil havia acontecido a Revolta da Chibata, assunto quase secreto então – censura –. Ele teve então a excelente idéia de escrever o primeiro livro sobre a Revolta da Chibata. Eu não sei se todos sabem, mas o primeiro livro no Brasil, escrito sobre essa revolta dos marinheiros negros no Rio de Janeiro, foi escrito por um francês chamado Benjamin Péret, poeta surrealista amigo de André Breton. Daí, o DOPS – porque o órgão oficial da censura é o DOPS, não é o Conselho de Educação, este segundo serve apenas para introduzir a questão, depois vem o DOPS, Departamento de Ordem Pública e Social – pegou o senhor Benjamin Péret, abriu contra ele um inquérito policial, destruiu este livro maldito, enviou o cidadão para fora do Brasil.
Hoje, a lei proíbe que alguém chegue na televisão e diga: “tição”, mas se abrimos este precedente, se damos o direito do Estado proibir isso, estamos dando a ele o direito de proibir muitas outras coisas que as pessoas vão falar. Depende dos ouvidos, depende de quem irá gostar ou não. Será mesmo que a classe dominante brasileira sente-se ofendida apenas quando um negro é insultado? Difícil de acreditar, para não dizer, impossível. Deste modo, à medida em que a censura se generaliza, quem irá ser censurado é o negro, como ele sempre foi. Eu expliquei também na palestra da semana passada que a história do Quilombo dos Palmares ficou esquecida na história nacional durante cerca de 200 anos, submetida a uma implacável censura da classe dominante. Neste caso, foram escritores negros, note-se bem, negros, que tiveram interesse em trazer a tona este episódio. Por isso, não nos iludamos. A censura de opinião não irá favorecer o negro. Hoje apresentada como arma para combater o racismo, será a corda que será apertada no pescoço do povo negro brasileiro. Que o povo negro abra os olhos agora, e não acredite que os brancos serão censurados quando falarem mal do negro. Na hora em que os brancos conseguirem estabelecer a censura, os brancos irão censurar os negros.
O que estas pessoas no Conselho de Educação estão fazendo é abrir o caminho para os brancos. Isso em primeiro lugar, mas não é tudo o que eu tenho a dizer sobre a questão.
Um segundo problema é saber o que está por trás disso. Porque aprovar uma lei que proíba determinada pessoa a falar, apenas falar, mal de algum grupo racial seria algo tão significativo? A medida cheira a excessiva demagogia. O negro, não ganha nada, mas ninguém xinga ele em público, só no particular. Mas não é apenas demagogia, o que está por trás disso é uma ideologia de conciliação de classes.
As pessoas que aprovaram esta lei estúpida acham que o problema do racismo não é um problema da luta de classes, da luta por interesses materiais, mas um problema “cultural”.
Uma pessoa que, por exemplo, fale contra os negros, ou nordestinos, seria uma pessoa “não esclarecida”, uma pessoa não iluminada pelo Conselho Nacional de Educação. Se ela houvesse passado pela terapia de censura deste conselho, ela desenvolveria algum tipo de amor por estes que hoje ela odeia. Esta é uma concepção totalmente burguesa e ao mesmo tempo completamente infantil.
O problema do negro é uma questão da luta de classes. Coisa que a esquerda nunca conseguiu entender. Ela considera que a luta de classes só tem uma única definição: trabalhador contra patrão. Mas a luta do negro contra o branco é também a luta de classes, porque a luta do negro é uma luta democrática. Em todos os lugares do mundo onde os negros lutam, eles lutam para se constituir como uma população autônoma dirigida por um setor que ambiciona ser uma burguesia negra. A luta da burguesia negra, ou proto-burguesia negra contra a burguesia imperialista norte-americana, é uma luta de classes, embora seja a luta de duas camadas da burguesia. Aí também revela-se as insuficiências de análise da esquerda, que não consegue entender que a luta entre dois segmentos de uma mesma classe é também a luta de classes.
A luta do negro é uma luta de classes, e como tal, ela possui um fundamento econômico. Não há educação no mundo que possa resolver este problema. Se fosse assim, poderíamos pegar os filhos de Antônio Ermírio de Moraes e criá-los para amar o proletário nordestino brasileiro, e o problema do socialismo estaria resolvido.
As pessoas que aprovaram esta lei querem que a classe dominante brasileira, profundamente racista, vá começar a amar o negro proibindo que a expressão “macaca de carvão” apareça escrita nos livros de Monteiro Lobato. É totalmente absurdo. Esta burguesia nacional não odeia apenas o negro, mas também o nordestino, que muitas vezes pode ser branco, loiro e ter olhos claros.
A burguesia mundial, e a brasileira em particular, é racista e odeia o negro porque quer ele escravizado, quer ele como um serviçal, trabalhando por um salário mais baixo. Durante a campanha eleitoral pudemos ver o espetáculo deplorável dos eleitores do PSDB reclamando que o Bolsa Família estava tirando deles as “suas” empregadas domésticas, defendendo com isso que se deveria matar a população de fome para com isso ela ir se arrastando até a porta da casa de uma pessoa de classe média para ser escravizada como empregada doméstica. E os defensores desta lei acreditam que, através de um ajuste do vocabulário nas escolas, pessoas como estas iriam aprender a tratar o negro com igualdade.
Isso é possível de ser creditado a pessoas que acreditam que a democracia suprime a luta de classes, que a lei, a aprovação de uma lei pode resolver questões que tem raízes profundas de opressão material. A mentalidade que acredita nesta lei pressupõe que através deste mecanismo coercitivo seria possível harmonizar as os interesses contraditórios existentes na sociedade. Nós somos totalmente contra esta concepção.
É preferível que a direita nacional fale abertamente que ela não gosta de negros. Para que os negros saibam com quem é que estão lidando. Para reconhecerem logo que estão diante de uma escória de direita, que deve ser esmagada pela força organizada da classe trabalhadora e do povo brasileiro.
Nada de disfarces, nada de camuflagem, nada de hipocrisia. Se a burguesia quer falar contra o negro porque ela é contra o negro, ela que fale, e o negro que reaja contra a burguesia. Não aprovemos leis disfarçando o racismo. Esta não é uma lei contra o racismo é uma lei para maquiar o racismo. E isso não é casual, essa ideologia é antiga no Brasil. Um dos grandes representantes desta mentalidade é o sociólogo Gilberto Freire, um ideólogo da época do modernismo. Os intelectuais e artistas modernistas eram uma esquerda burguesa nacionalista, que buscava apontar para o Brasil uma nova perspectiva. Mas a perspectiva deles, era a perspectiva da conciliação de classes. Não queriam lutar. Eles queriam criar um clima de harmonia social. Então se tem aí, por exemplo, livros como o de Sérgio Buarque de Holanda onde se explica a tese do Homem Cordial, onde são apresentadas as teses de que o brasileiro formaria uma nação onde mesmo antagonismos são atenuados. Gilberto Freire, na tentativa e promover a harmonia entre o negro e o branco, criou uma história, muito bem feita, diga-se de passagem, de que a escravidão foi um paraíso. Como todo nacionalista burguês é messiânico do seu próprio país, teria sido assim apenas no Brasil. No Haiti, teria sido um horror, nos Estados Unidos, uma desgraça sem fim, mas não no Brasil. Até hoje essa continua sendo a ideologia desta burguesia de esquerda. Esta é a terceira coada de café do nacionalismo de 1922, agora sob a forma do PCdoB e do PT. Tudo isso não passa de ficção, o país não irá para esta conciliação. Não basta proibir o racista de falar mal o negro. E não só a burguesia brasileira não é “cordial”, como iremos descobrir que ela tem profundas inclinações para o fascismo. Dois fatos devem sempre ser lembrados. O primeiro deles é que o Brasil foi o país que teve o maior movimento fascista do mundo fora da Europa. Os fascistas estão aí até hoje, dirigindo inclusive as universidades. Em segundo lugar eu cito uma colocação de um importante trotskista brasileiro, Mário Pedrosa, que disse certa vez que a burguesia brasileira nunca havia tido um partido nacional, e quando ela criou finalmente este partido, foi ele o Partido Integralista.

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