O centro da demagogia é reivindicar saudosamente as origens da USP, de seus fundadores e seus objetivos norteadores, tais como: formação profissional de elevada qualidade; ser um instituto de pesquisa de ponta; formação de lideranças intelectuais capazes de influenciar os rumos do País e preservação, compreensão e transmissão da cultura.
Tanto o editorial do Estadão, quanto matéria publicada neste mesmo jornal assinada pelo novo reitor mostram contradições fundamentais entre a crise que passa a Universidade, a crise política interna, a incompatibilidade entre as expectativas da população e as soluções que estes divulgam. Como os dois artigos correspondem a uma mesma política não achamos necessário diferencia-los a todo o momento.
Segundo o próprio Zago, ele assume o cargo num momento de fortes pressões: de um lado crescentes demandas sociais; desequilíbrio financeiro (que poria em risco a autonomia universitária) e “corrosão do tecido mesmo da universidade, tanto por movimentos de protesto que têm se transformado em agressões ao patrimônio público”.
Quanto às demandas “sociais” o Reitor defende “ampliar relação com os setores produtivos e governamentais, participar da articulação e implantação de parques tecnológicos”, ao mesmo tempo que diz que a pesquisa, embora a passos lentos, se mantém devido ao “estímulo” das agências de fomento e defende uma menor burocratização e descentralização nos processos decisórios objetivando uma maior internacionalização da universidade.
Retirando seu caráter confuso e abstrato, aliado aos supostos problemas financeiros propagados (isso porque a USP tem um PIB maior que vários estados da federação) e o processo real pelo que passa a USP nas últimas décadas, não restam dúvidas sobre o interesse de aprofundar ainda mais o processo de privatização da universidade entregando este enorme patrimônio aos capitalistas em crise.
Quantidade versus qualidade: uma falsa oposição
Segundo o Estadão “A inclusão social é decerto uma das missões da universidade, mas está longe de ser a única, tampouco a principal. Não é pelo número de alunos que se mede o sucesso de uma universidade e sua capacidade de influenciar os rumos do País, e sim, pelo seu grau de compromisso com os mais altos padrões científicos”. E acrescenta como um dos problemas um “desconfortável aumento de alunos em relação ao número de professores” (!!!) Dizendo que se há 20 anos atrás a proporção era de 10 alunos por professor, em 2012 chegou a 15 por professor.
São ainda mais explícitos: uma das tarefas fundamentais neste momento seria resistir “ao apelo populista” para afrouxar as exigências técnicas para facilitar o ingresso de alunos.
Mais claro impossível: a política do Estadão e seu correligionário Zago é abertamente contra a expansão e universalização do ensino, focando o problema no aumento de alunos e não na falta de contratação de professores. Mostrando ai, uma concepção não apenas elitista, mas retrógrada e equivocada inclusive do ponto de vista “dos mais altos padrões científicos”.
De onde são os melhores jogadores e futebol, senão do País que mais joga futebol? De onde são os melhores enxadristas senão do país com maior número de praticantes? De onde são os melhores cientistas senão onde a média da população alcança de conjunto determinada condição cultural? Qualquer filósofo da ciência mostra a relação entre fases de desenvolvimento e toda uma luta teórica e cooperação entre diversos membros…
Reconstruir as relações entre professores e alunos, mas como?
Outra contradição gritante está entre a citação feita por Zago de Karl Jasper que diz: “a universidade é uma escola de tipo muito especial. Não deve ser vista apenas como local de instrução; ao contrário, o estudante deve participar ativamente da pesquisa e, desta experiência, ele deve adquirir a disciplina intelectual e a educação que permanecerão com ele pelo resto de sua vida. Idealmente, os estudantes pensam de modo independente, ouvem criticamente e são responsáveis por si mesmos. Eles têm liberdade de aprender”.
Enquanto na realidade Zago é continuação da ditadura das agências de fomento, que privilegiam sempre interesses econômicos externos ao desenvolvimento próprio da ciência. Enquanto Zago está ai para resistir aos interesses “populistas” de aumentar o número de estudiosos e acelerar o processo de desenvolvimento intelectual do país; enquanto Zago e o Estadão criminalizam os estudantes que buscam participar ativamente de todo o processo educacional, enquanto criminalizam aqueles que pensam de modo independente e almejam se expressar diretamente nos rumos de sua aprendizagem, ou seja, nos rumos da universidade que estudam: que apenas pode se realizar através de uma democracia real, proporcional, dando voz a maioria estudantil que enquanto estudante deve lutar, criticar, decidir sobre o seu processo de aprendizagem de modo a formar uma disciplina intelectual e educação para toda a vida.
Enquanto isso Zago não consegue ultrapassar a arcaica relação separada de ordem-submissão entre professores e alunos, quando diz que é preciso: “reconstruir as relações entre estudantes e professores, em todas suas dimensões: somos educadores e seremos julgados pelo êxito que alcançarmos”. Ou seja, aos estudantes caberia apenas julgar o leite derramado….
De nosso lado, e a experiência dos 80 anos demonstram a necessidade imperiosa de acabar com esta relação autoritária na Universidade, que apenas poderá se realizar através da extinção do cargo de reitor e a formação de um governo tripartite entre estudantes, funcionários e professores de modo proporcional, garantindo aos estudantes a responsabilidade sobre si mesmos e quebrando o poder dos grandes monopólios, dos governos burgueses sobre os rumos da Universidade e o eterno desvio de verbas para fins particulares.
Do Diário Causa Operária Online de 31 de janeiro de 2014