SECTARISMO ECONÔMICO – VON MISES E SEUS PROSÉLITOS

Por Afonso Teixeira Filho

O Instituto von Mises formou-se em diversos países como uma espécie de Loja Maçônica da economia. A Maçonaria, que pretendia ser uma organização filosófica, acabou numa entidade religiosa; o Instituto, que deveria ser uma organização de estudos econômicos, resultou numa espécie de Ku-Klux-Klan, uma organização religiosa que, como o Instituto, desenvolveu-se no sul dos Estados Unidos. No entanto, o negro, para o Instituto é o comunista.

O lema do Instituto é “não ceder ao mal, mas lutar corajosamente contra ele”. O mal, nesse caso, é, sem dúvida, o comunismo. Esse era o lema de Ludwig von Mises, um economista liberal, formado na escola marginalista da economia.

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Ludwig von Mises

Em torno dele, formou-se uma espécie de adoração, reunindo pseudo-intelectuais, pessoas mal-intencionadas e iludidos. E, como todo aquele que busca amparar-se numa religião, os misianos buscam uma destas três coisas: obter recompensas materiais (pragmáticos); afugentar o diabo de suas vidas (comunistas); devotar-se a Deus (o mercado) e a seu profeta (von Mises).

E, como todo religioso, todos eles iludem-se. Primeiro porque as teorias de von Mises não são capazes de promover nenhum benefício material para a sociedade; segundo porque diabo não existe; e terceiro porque von Mises não era nenhum Salvador: não estava interessado em lutar corajosamente contra o mal nem no bem da sociedade.

Quem se ampara no liberalismo econômico, como muleta filosófica, no princípio acredita que o liberalismo tenha algo que ver com liberdade. Mais tarde, quando percebe que as coisas não são bem assim, em vez de adotar uma atitude cética e uma postura crítica, faz o contrário: firma-se cada vez mais na fé. Liberalismo não é uma questão de ciência, é uma questão de fé religiosa.

Friedrich August von Hayek, apoiado do sangrento governo de Pinochet

Nos primórdios do capitalismo, quando a livre iniciativa era progressista, ser liberal era ser progressista. Com o advento dos monopólios, a livre iniciativa deixou de ser viável e ser liberal deixou de ser uma atitude pragmática. O Deus do mercado é controlado pelos grandes monopólios.

Ademais, a existência de uma escola econômica, filosófica ou artística depende das condições materiais da realidade (econômicas, históricas, políticas e sociais). Quando Marx escreveu O Capital, o capitalismo estava em pleno desenvolvimento; o movimento operário em ascenso; e a classe burguesa tomava conta do mundo. O Capital foi uma análise objetiva e científica das condições e leis da produção de mercadorias, escrito na época certa e não como um retrato de condições inexistentes, passadas ou futuras.

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Milton Friedman, inspirados do pinochetismo

Von Mises elabora sua obra alheio à materialidade do mundo. Sua preocupação, como a de todo liberal era proteger, não tanto a economia, não tanto o capitalismo, mas o capitalista. Essa mesma preocupação atinge a grande maioria dos economistas do mundo de hoje. O objetivo deles é ganhar dinheiro. Fazem da Economia uma técnica e não uma ciência. São pragmáticos. E, por isso, colocam a economia fora da história, fora da necessidade do mundo. A economia se torna algo atemporal e, portanto, religioso.

Uma série de economistas liberais, provenientes da famosa Escola de Chicago, de onde rebentaram criaturas como Margareth Thatcher e Milton Friedman, que tiveram como pastor Friedrich Hayek, só conseguiram colocar em prática suas teorias depois de apoiar golpes militares em diversos países à custa de muitas vidas. O preço da liberdade é, sempre, muito sangue.

Foi assim que as ideias de Friedman foram parar no Chile de Pinochet, a mais sangrenta ditadura que o continente viveu. E as técnicas para a implantação desse liberalismo iam desde a tortura explícita até a lavagem cerebral feita em laboratórios de universidades; desde a repressão de ideias até o assassinato; desde a simples subtração da democracia até a implantação da mais sanguinária tirania. Não há nada de liberdade no liberalismo.

Com a derrocada das ideias de Friedman e de Hayek, por causa do apoio desses mortais às ditaduras, os monges do liberalismo saíram em busca de um santo que pudesse dar credibilidade a uma teoria que, a partir de então, só se sustentava na fé. Encontraram na figura de Ludwig von Mises o pai ideal.

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Augusto Pinochet, o governante “liberal” por excelência

O problema é que o pai ideal era o pior de todos. Ludwig von Mises ajudara a implantar o fascismo na Áustria, antes da anexação pela Alemanha (Anschluss).

O fascismo vingou na Áustria para “não ceder ao mal”, para combater a ascensão do movimento operário e, sobretudo, do Partido Comunista. Engelbert Dollfuss, o chanceler austríaco, passou a governar por decreto o país e instituiu uma verdadeira ditadura perseguindo todos os partidos de esquerda. Era um admirador de Benito Mussolini e tinha, como ministro da economia, ninguém menos do que von Mises.

Von Mises admirava o fascismo. Era, e sempre foi, um fascista, como todo liberal. É dele uma conhecida sentença: “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estava cheio de boas intenções, e suas intervenções ora salvaram a civilização europeia. Os méritos do fascismo permanecerão para sempre na história.”

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Engelbert Dolfuss, chanceler do austrofascismo, do qual Mises foi ministro

Os méritos que o fascismo deixou na história foram 50 milhões de mortes, a destruição da civilização europeia quase que por completo e o embrutecimento da humanidade em geral.

Nada torna, do ponto de vista dos princípios, o liberalismo diferente do fascismo. Apesar de os regimes fascistas terem buscado controlar o Estado com mãos de ferro, o que é radicalmente contrário à filosofia liberal, o liberalismo só pode ser implantado, necessariamente, em qualquer país, se puder controlar as mentes das pessoas; se puder subtrair o poder dos sindicatos; se puder dominar os meios de comunicação; se puder domar os partidos políticos. Foi assim, no Chile. Foi assim no Brasil. Foi assim na Indonésia. Foi assim na Bolívia. Foi assim na Inglaterra. E é assim nos Estados Unidos.

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cartaz de propaganda do fascismo austríaco, do qual von Mises era partidário

O país mais democrático do mundo é o país mais repressor do mundo: a maior população carcerária do planeta; um local em que se pode ser preso por qualquer coisa; onde qualquer coisa pode ser delito. Os Estados Unidos são um país com apenas dois partidos, como era no Brasil, com Arena e MDB, republicanos e democratas; lá, duas famílias controlam quase a totalidade dos meios de comunicação do país; lá, dois monopólios controlam, praticamente, quase toda a vida do povo norte-americano (ferrovias, petróleo, correio, bancos, etc.). Lá, trinta por cento da população vive abaixo da linha de pobreza. Lá, a desigualdade social é gigantesca. O sistema de saúde é discriminatório (os melhores hospitais e clínicas do mundo para os ricos; e a escravidão para o pobre que precisa de tratamento médico).
E eu poderia escrever páginas e mais páginas sobre como é utópico o sonho americano. E, apesar disso, não tenho ódio do país: reconheço tudo o que ele tem de bom (e poderia escrever páginas sobre isso também). Mas é preciso saber analisar, criticamente, o que há de bom e o que há de ruim em sua política econômica.

O país não é, de modo algum, um país liberal. O governo intervém na economia sempre que os monopólios o exigem. E os próprios americanos não estão satisfeitos com a economia de seu país. Apenas o estão os misianos, que vivem, eles sim, um sonho utópico, uma crença mística nos poderes divinos e sobrenaturais de uma economia anticientífica e impraticável e na ressurreição de um messias escolhido entre a escória da humanidade.

13 Respostas para “SECTARISMO ECONÔMICO – VON MISES E SEUS PROSÉLITOS

  1. Parece legítimo

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  2. Não sou contra a essência comunista de igualdade.

    Me explique então como as profissões seriam definidas e os salários no comunismo ?

    Se todos ganhariam igual, por que alguém iria estudar para ser médico se para ser garçom (nada contra a profissão) ele iria ganhar igual.

    E se todos resolvessem serem médicos.

    Como Karl Max resolve este problema.

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  3. “A ditadura mais sangrenta da america Latina.”

    Pinochet – 3000
    Cuba – 100.000

    É…acho que não…

    “…só conseguiram colocar em prática suas teorias depois de apoiar golpes militares em diversos países à custa de muitas vidas. O preço da liberdade é, sempre, muito sangue.” – Friedman era contra a ditadura chilena, só prestou auxílio econômico pq acreditava que liberando a economia, tbm liberaria o regime (o que não ocorreu).

    “Os Estados Unidos são um país com apenas dois partidos, como era no Brasil, com Arena e MDB, republicanos e democratas; lá, duas famílias controlam quase a totalidade dos meios de comunicação do país; ” – Dois partidos com 998 facções cada. E não é proibido haver outros, apenas não são grandes o bastante.

    “lá, duas famílias controlam quase a totalidade dos meios de comunicação do país; ” – Isso descreve o Brasil, não os EUA. Mais da metade da audiência de mídia é pelo rádio – a maioria é republicana. Da mídia televisiva e jornal, maior parte é democrata.

    “Apenas o estão os misianos, que vivem, eles sim, um sonho utópico, uma crença mística nos poderes divinos e sobrenaturais de uma economia anticientífica e impraticável e na ressurreição de um messias escolhido entre a escória da humanidade.” – Misianos são os que mais odeiam a política americana de aumentar o débito nacional, invadir outros países e altos impostos…mas é claro que o fulano provavelmente nunca ouviu um programa do Molyneux sobre economia dos EUA nem leu um artigo do Rockwell sobre o governo Obama…

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    • Nem com a revolução e toda a sabotagem imperialista o governo cubano sequer chegou perto de matar 100 mil pessoas e nem mesmo 10% disso, precisa se informar adequadamente. Nos EUA, de fato, há apenas dois partidos, a imprensa é dominada por um punhado de capitalista, é a ditadura dos grandes capitalistas. Os liberais são contra aumentar impostos porque não querem que os capitalistas paguem impostos.

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  4. É incrível como vocês adoram pegar a citação de Mises sobre o fascismo pela metade, ignorando o que ele diz em sequência:

    “O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si está inscrito na história. Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constituiu um expediente de emergência. Encará-lo como algo mais seria um erro fatal.”

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  5. Pingback: Anônimo

  6. Rui, escolha, abaixo, por que vc não coloca toda a opinião de Mises sobre o fascismo?

    1 – Porque vc não leu tudo (ignorância);
    2 – Porque vc quer enganar as pessoas (má-fé).

    Resumindo, vc é ignorante ou está de má-fé?

    Se é só ignorância, que tal ler este texto pubicado pelo IMB sobre o fascismo?

    http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1343

    E que tal essas citações tiradas de livros de Mises:

    “Muitas pessoas aprovam os métodos fascistas, muito embora seu programa econômico seja totalmente antiliberal e a política econômica totalmente intervencionista, porque está longe de praticar o vandalismo que tem caracterizado os comunistas como os arqui-inimigos da civilização. Ainda outros, completamente conscientes do mal que a política econômica fascista encerra, consideram o fascismo, em comparação com o bolchevismo e o sovietismo, pelo menos, um mal menor. Para a maioria de seus defensores públicos e secretos e de admiradores, entretanto, seu poder de atração consiste, precisamente, na violência de seus métodos.”

    “O fascismo pode triunfar, hoje, porque a indignação universal contra as infâmias cometidas pelos socialistas e comunistas lhes concedeu as simpatias de largos círculos. Mas, quando a memória ainda fresca dos crimes dos bolcheviques estiver empalidecida, o programa dos socialistas, de novo, exercerá poder de atração sobre as massas, porque os fascistas nada fazem para combatê-los, a não ser suprimir as ideias socialistas e perseguir quem as divulgue. Se, de fato, quisessem combater o socialismo, deveriam opor-lhe suas ideias. No entanto, há apenas uma ideia que pode, efetivamente, opor-se ao socialismo, isto é, o liberalismo.”

    “Tanta discussão para a política interna do fascismo! Não merece maiores considerações o fato de que a política externa do fascismo, baseada no reconhecido princípio da força nas relações internacionais, não pode deixar de causar uma série de conflitos internacionais que, necessariamente, destruirão toda a civilização moderna. Para manter e aumentar o atual nível de desenvolvimento econômico, deve-se assegurar a paz entre as nações. Porém, estas não podem viver em paz, se o princípio básico da ideologia que as governa for a crença de que somente pela força se pode assegurar, para si, um lugar na comunidade das nações.”

    Vamos lá, Rui, honestidade intelectual e acadêmica! Força!

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  7. Parabéns pelo artigo, estava lendo esse mesmo texto “O liberalismo” que faz esse comentario sobre o fascimo. Lembrei da resposta que Hayek deu no jornal chileno, “Mercurio” no ano 81, onde ele aclara que prefere uma ditadura com liberdade de mercado, que uma democracia sem. Pouco menos de 40 anos antes, o mesmo Hayek escreve esse famoso livro de autoajuda neoliberal, chamado Caminho da Servidao, onde ele fala que poucas palavras foram tao manipuladas como a palavra Liberdade. Um ato maravilhoso de premonição sobre si mesmo!

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