Eram os deuses inocentes?

Afonso Teixeira

Estudo da revista Nature procura demonstrar que os crentes são mais honestos

A famigerada Folha de S. Paulo não perdeu tempo e tratou logo de replicar um “estudo” da revista Nature em que se procura provar que pessoas que acreditam em deuses vingativos e moralistas são mais honestas. O diário paulistano segue na rota de tornar-se uma publicação cada vez mais direitista; não apenas uma defensora de políticas neoliberais, mas também uma publicação moralista e de caráter semi-fascista.

Por que um interesse momentâneo em divulgar teses questionáveis, como essa da revista Nature?

O periódico britânico publicou ontem (10 de fevereiro) um estudo no qual nove especialistas concluem que a crença em um deus vingativo e moralista promove um comportamento mais socializável entre os crentes nesse mesmo deus e, consequentemente, a expansão desse comportamento.

O estudo é bastante estranho, pois pretende comprovar, por meio de dados estatísticos, algo que os antropólogos já sabiam desde sempre. O alastramento de uma crença em um deus sempre foi um instrumento de promoção da unidade nacional. Assim ocorreu com os hebreus e os povos que os rodeavam, como os cananeus. Assim foi com os árabes e com os primeiros cristãos.

O deus é a figura central da sociedade e é, por meio dele, que as leis são impostas. O deus era uma figura necessária para a constituição de uma sociedade, visto que era preciso estabelecer uma autoridade inquestionável para impor as leis, sem as quais a sociedade não poderia desenvolver-se ordenadamente.

A pesquisa divulgada pela revista Nature não traz novidade. Entretanto confunde-se nas conclusões, pois não é a crença em entidades sobrenaturais, vingativas e todo-poderosas que torna o indivíduo socializável. É, em vez disso, a necessidade de manutenção dessa sociabilidade que impõe a invenção de deus.

A revista Nature sempre foi considerada uma importante publicação científica; existe desde 1865 e é uma das publicações mais citadas no mundo acadêmico. Não obstante, cabe a pergunta: quem financia a revista? De onde ela obtém recursos?

Sabemos que uma publicação não se mantém simplesmente com a venda. É preciso publicidade, patrocínio e, muitas vezes, a colaboração de organismos públicos para a sobrevivência da publicação — como acontece com a revista Veja (e os diários Folha e Estado), que, graças às assinaturas feitas pelo governo estadual (PSDB) para todas as escolas e repartições públicas, conseguem sobreviver.

No caso das publicações científicas, o mecanismo é semelhante. É possível que alguma agência de fomento à pesquisa patrocine a publicação. O dinheiro poder vir de um fundo estatal ou de uma fundação, como acontece na maioria dos casos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma grande parte das agências de fomento à pesquisa é financiada pela Igreja. Isso é problemático, pois implica a interferência de um organismo tendencioso em relação ao universo científico. Quantas pesquisas sobre células-tronco não foram desfeitas por falta de verba ou, simplesmente, porque uma determinada universidade (que também é, em muitos casos, patrocinada pela Igreja) exigiu de seus cientistas que interrompessem a pesquisa ou se dedicassem a outra coisa?

O livro de Susan George, Culture in Chains, faz uma denúncia sobre isso. Susan George, uma socióloga franco-americana, relata uma série de interferências da direita conservadora norte-americana em diversos ramos da sociedade. É a igreja interferindo violentamente na educação infantil (pois procura monopolizar o setor de educação no lar, quer por meio de publicações, quer por meio das igrejas comunitárias); são os grupos religiosos agindo prontamente nos meios políticos do país (financiando campanhas e a educação de advogados que, um dia, poderão compor a Suprema Corte do país); são fundações e pesquisa que funcionam apenas como fachada para determinadas igrejas. E, além disso tudo, há também grupos como The American Israel Public Affairs Commitee (AIPAC) que atuam sistematicamente em campanhas políticas, de forma que nenhum candidato a cargos importantes nos Estados Unidos se elege sem pedir a bênção à entidade (inclusive o presidente).

A AIPAC também exerce pressão sistemática sobre as universidades, difamando qualquer professor que se demonstre partidário da causa palestina. Esses professores são acusados de antissemitas e execrados publicamente. É a mesma tática utilizada pela esquerdinha brasileira que, quando perde uma discussão, trata logo de taxar o adversário de machista.

A questão é: estaria algum desses organismos pautando matérias para a revista Nature? Ou, pelo menos, financiando a pesquisa que a revista publicou. Essa segunda hipótese não é apenas plausível, como muito provável. Afinal, a pesquisa foi feita por nove pesquisadores, e envolveu deslocamento às regiões mais remotas do planeta. Deve ter custado muito dinheiro.

No entanto, cabe ressaltar, mais vergonhoso do que esse pesquisa foi o destaque dado pela Folha para e matéria. O título da matéria “Estudo vê elo entre fé em Deus e caráter” não é exatamente o que o estudo diz. E o subtítulo, “Experimento aponta que pessoas que creem em entiddes oniscientes e moralistas tendem a ser mais honestas”, também não é correto. O estudo, na verdade, aponta para a socialização e não para a honestidade, que seria uma forma de socialização mais específica. Vale dizer, a Folha pretende ser mais moralista do que o próprio estudo e seus patrocinadores.

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