Plekhanov

Rui Costa Pimenta

 

O marxismo encontrou o seu maior e mais completo desenvolvimento como teoria revolucionária na Rússia, como expressão, ao mesmo tempo, do desenvolvimento da revolução proletária na Europa e da história revolucionária da própria Rússia.

Neste dia 30 de maio, estaremos relembrando um dos mais importantes teóricos marxistas russos no 90º aniversário da sua morte, George Plekhanov.

Plekhanov foi uma das maiores inteligências que o marxismo já teve. Militante revolucionário, profundo conhecedor da história revolucionária da Rússia e homem de extraordinária cultura.

Foi profundo conhecedor do marxismo, o que lhe possibilitou ser, além das teses originais que concebeu baseadas na teoria dos seus mestres Marx e Engels, um dos maiores divulgadores desta teoria em todos os tempos. Foi, nesse sentido, professor de gigantes do marxismo como Lênin e Trótski sobre os quais exerceu enorme influência teórica.

Lênin o considerava o marxista vivo que melhor compreendia as questões da filosofia em geral e da filosofia marxista. Foi o mais importante teórico da literatura e das artes que o marxismo já teve, influenciando as concepções artísticas de Lênin e Trótski e, de certa forma, toda a cultura revolucionária russa de forma decisiva.

A obra de Plekhanov, neste terreno, pela sua profundidade e seriedade se coloca muito acima do idealismo pseudo marxista que veio a ser conhecido como crítica da literatura em tempos posteriores.

Plekhanov foi discípulo de Marx e, inclusive em um sentido literal e pessoal, do grande Frederico Engels a quem chamava “meu mestre”.

Mais, foi também o maior herdeiro de toda a espantosa tradição revolucionária russa que vai dos decembristas de 1825 até Chernichevski. Este último, particularmente, grande homem e grande teórico, seguidor de Hegel, deu uma inestimável contribuição para o estabelecimento do marxismo revolucionário caracteristicamente russo.

Após a revolução russa de 1917, traficantes intelectuais que buscavam no marxismo material para o seu comércio teórico burguês utilizaram-se da evolução oportunista de Plekhanov em seus últimos anos para denegri-lo, coisa que os verdadeiros revolucionários russos, os bolcheviques, nunca o fizeram, apesar de terem sido eles que combateram as suas teorias.

Trótski, em um escrito dos anos 30, diz claramente que o Plekhanov oportunista é uma excrescência e que o verdadeiro Plekhanov é o revolucionário: “este é o nosso”, integrando-o claramente na herança teórica da classe operária na IV Internacional como um dos seus grandes defensores de todos os tempos.

O ataque contra Plekhanov, que vem das hostes pequeno-burguesas idealistas que querem cobrir seus farrapos teóricos com o manto enobrecedor do marxismo é, na realidade, um ataque contra a revolução proletária e uma tentativa de domesticar o marxismo à religiões intelectuais pequeno-burguesas.

 

200px-Georgi_Plekhanov

Quod erat demonstrandum

estagio-correios

Rui Costa Pimenta

 

A comprovação das teses políticas é, como todos sabem, muito mais complexa que a das hipóteses do mundo físico. Não obstante, o XI Congresso da Fentect comprovou as teses do PCO com um rigor superior a muitas experiências de química e física.

Disseram que a burocracia era invencível. Foi derrotada no congresso em todas as teses fundamentais.

Disseram que a federação nacional, porque era dirigida pelo partido do governo, era apenas uma dependência do governo federal. Todas as teses do governo federal foram rejeitadas pelo plenário do Congresso.

A ditadura da burocracia jamais seria vencida. Foi quebrada em pontos fundamentais.

Apesar de todas as manobras burocráticas e toda a pressão do aparelho político do governo e do PT, o plenário do congresso esteve durante cinco dias dividido ao meio.

Já a oposição sofreu todo o tipo de boicote de correntes que diziam ser uma ferrenha oposição à burocracia. O Sindicato de S. José do Rio Preto, ligado à chamada federação anã, recusou-se a enviar delegados ao Congresso. No Rio de Janeiro, a bancada da Conlutas recusou-se a apresentar chapa entregando os delegados à bancada que eles mesmos chamam de “governista”. Durante metade do congresso, a luta da bancada da oposição concentrou-se em pressionar a bancada da Conlutas para que estes se decidissem a votar na oposição para derrotar a situação.

Mesmo assim, as votações impuseram uma derrota a toda política da burocracia:  foi extinto o comando de negociação, que havia se transformado em um balcão de compra e venda de sindicalistas pela direção da empresa a serviço de trair as lutas e as reivindicações operárias. Foi substituído por uma representação ampla de todos os sindicatos, com cerca de 40 pessoas, representativa de todas as forças e dos sinicatos de base. Foi eliminada a política de desfechar um ataque de surpresa contra os trabalhadores nas campanhas salariais e os informes falsificados dos comandos ditatoriais. Foi restabelecido o quórum de 2/3 de sindicatos para aprovar o acordo salarial.

A direção da Fentect teve a tradicional política monolitica da burocracia quebrada através da vitória da proprocionalidade qualificada.

Quando a eleição da diretoria começou a política da burocracia estava completamente liquidada em um congresso dominado pela propria burocracia que escapou completamente do controle por pressão da base.

A votação serviu, acima de tudo, para liquidar todas as teses improvisadas sobre a burocracia sindical e a luta política. O marxismo, teoria que encontra sua comprovação na realidade, mostrou o acerto de todas as suas teses sobre o sindicato, a burocracia e a luta da classe operária através da vitória dos representantes da classe operária contra os representantes patronais.

Estudantes da USP: vanguarda da luta democrática e antiimperialista no Brasil

Rui Costa Pimenta

 

A ocupação da reitoria da USP pelo movimento estudantil mostra que, nesse momento, os estudantes são a vanguarda da luta democrática e antiimperialista no Brasil.
Ninguém ignora que a política do PSDB e de João Grandino Rodas, reitor da universidade, é fazer da USP o que foi feito com a Vale do Rio Doce, com a rede Telebrás, com o parque siderúrgico nacional e muitos outros setores da economia. Entregá-la aos tubarões da iniciativa privada e, desta forma, destruí-la como universidade para que todo o seu patrimônio, acumulado por anos, seja colocado a serviço integralmente de grandes capitalistas, na maioria, inclusive, estrangeiros.
Esta operação só pode ser feita de maneira ditatorial, de maneira fascistóide. Está aí para provar o caso, em andamento, da Grécia, onde o imperialismo franco-alemão, cujo nome de guerra é União Europeia, não permite sequer, que o próprio povo grego decida se quer ou não pagar a conta da inacreditável farra financeira dos bancos franceses e alemães.
Rodas é um interventor na USP. Não foi eleito por ninguém. Não conseguiu sequer sair vitorioso da eleição de fachada que os estatutos da universidade determinam.
Rodas lançou, de imediato, uma ofensiva policialesca tanto contra o movimento estudantil como contra o sindicalismo dos funcionários. Os processos se multiplicam, a política de intimidação e de terror vem tomando conta de toda a USP. A tal ponto que os próprios professores do Largo S. Francisco, se viram obrigados a se pronunciar contra o reitor.
A introdução da polícia no campus da Cidade Universitária é parte da sua política de terror, uma política facistóide que nem sequer a ditadura militar teve coragem de colocar em prática na USP e que foi derrotada em outros lugares como a UNB, na época comandada por interventor militar.
A polícia transformou a USP em um morro do Rio de Janeiro, onde, como se sabe, a Constituição Nacional e os direitos individuais não vigoram, vigora a lei da M-16, a carta-magna do Caveirão e o Estado de direito do tanque de guerra, da tortura e do assassinato praticado pelo Estado. Desde o incio deste ano policiais passaram a revistar estudantes, a agredir, a intimidar de todas as formas a comunidade universitária, como se estivessem no Haiti.
A força de Rodas não vem da USP e nem da opinião pública, como querem os apologistas pagos da operação de destruição da mais tradicional e mais importante universidade do país. Vem do apoio dos capitalistas estrangeiros e do orçamento do governo do Estado, utilizado para montar a maior operação de corrupção da opinião pública de que se tem notícia neste país.
Já não é segredo para ninguém que Serra e Alckmin assalariaram a imprensa capitalista com as verbas da Secretaria da Educação, de onde foram transferidos nos últimos anos mais de 250 milhões de reais na compra de assinaturas e publicações, sem falar nos demais recursos para colocar a imprensa a serviço de tais operações.
O papel de jornais como a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e de televisoras como a Rede Globo é lamentável. Mentem, falsificam e desinformam para defender a ditadura de Rodas e do PSDB contra a luta democrática dos estudantes. Uma imprensa como essa deve e será repudiada pela opinião democrática de todo o país.
Não foi, no entanto, apenas isso que o poder do PSDB aliciou para a operação. Os partidos de esquerda encontram-se todos alinhados detrás da ditadura de Rodas. PT e PCdoB sequer se manifestam, apesar de ter figuras conhecidas até mesmo dentro da USP. Psol e PSTU, em comum acordo com a reitoria, conforme revelou uma troca de mensagens de correio eletrônico descoberta na ocupação colocaram-se a serviço de Rodas e procuraram fraudar a assembleia estudantil como um número de estudantes que seguem ordens de determinados professores em troca de favores fornecidos pela autoridade acadêmica. Essa vontade de servir a Rodas mostra o grau de decomposição desses partidos que, no momento estudantil e em muitas partes, transformaram-se em apêndices dos poderes constituídos em escala nacional ou local, como já se pode ver claramente na recente greve dos correios, chegando agora, ao extremo de defender a ditadura facistóide de Rodas e do PSDB na USP. Isto, no entanto, não é apoio político, mas uma mera operação mercantil.
Nada menos se pode dizer dos estudantes que se manifestam a favor da PM na USP. O integralista Rodas encontrou a sua guarda fascista no grupinho de filhinhos de papai, filhos de empresários corruptos e na clientela da universidade, para criar uma aparência de opinião pública a favor da sua política.
A verdadeira opinião está intimidada pela polícia, pela ameaça de demissões, pelas ameaças às carreiras de professores. O reino de terror, apoiado pela esquerda e pela imprensa assalariada pelo governo do Estado de S. Paulo, é a força de Rodas.
Mas essa força é em si mesma uma miragem. O quadro que se vê na universidade de corrupção e de intimidação é em si mesmo um quadro de crise e de decomposição política e moral completa.
Tudo o que é preciso para que o castelo de cartas do PSDB caia, do PSDB já amplamente repudiado pela população do Estado de S. Paulo, é que os que são contra a ditadura de Rodas se manifestem livremente a partir da sua consciência e não da política de terror.
Os estudantes que estão ocupando a reitoria estão lutando em nome e no lugar de todos, de todos os militantes da esquerda que não concordam com a política venal de apoiar Rodas em troca de alguns privilégios, dos funcionários e sindicalistas dos funcionários perseguidos e ameaçados de demissões e outras punições, dos professores de espírito democrático, honesto e progressista que acreditamos ser a maioria dos professores da USP. Eles estão lá enfrentando a polícia, as ameaças de punição acadêmica e judicial em nome de toda a opinião democrática de S. Paulo e do Brasil. Eles são a vanguarda da luta democrática no país neste momento. Eles estão mostrando coragem e determinação que são tão necessárias para combater o sistema de exploração e corrupção representado por Rodas e pelo PSDB. Eles são os que estão lutando contra a política de entrega do país ao imperialismo e aos especuladores expressa na tentativa e privatização dos correios e aeroportos.
É preciso, portanto, que todos levantem a voz para defendê-los!

1º de maio da vergonha

CUT, de um lado, Força Sindical, PCdoB e outras organizações sindicais pelegas estarão realizando atos de 1º de maio financiados pelas empresas estatais e privadas.
Não são atos de luta e reivindicativos dos trabalhadores, mas uma farsa montada para impedir qualquer ação independente dos trabalhadores no 1º de maio, uma tentativa de destruir o 1º demaio, como já o fizeram as ditaduras de Getúlio Vargas e dos militares de 1964. Impõe-se, como dinheiro, um verdadeiro anti-1º de maio para impedir a organização da classe operária.
O 1º de maio financiado por aqueles que são os inimigos mortais da classe trabalhadora, os capitalistas, é uma espécie de missa católica organizada pelo demônio.
A esquerda pequeno-burguesa – Psol, PSTU e PCB – que forma o espectro centrista da esquerda nacional, não fica abaixo dessa farsa promovida pelos capitalistas através da burocracia sindical. A sua convocação do 1º de maio começa como a chamada para uma missa na Catederal da Sé. Isso é feito em um momento em que a Igreja Católica, em particular em S. Paulo, está orientada claramente e de maneira militante para uma política reacionária, contra-revolucionária que tem como carro-chefe a luta contra o direito das mulheres através da impugnação do direito de aborto e outras medidas para escravizar a mulher. Neste exato momento, o Psol discute a incorporação nas suas fileiras do deputado baiano Bassuma, face visível do lobby de direitistas que prega a prisão de mulheres pelo crime do aborto.
Por este motivo, o PCO e diversas outras organizações mantém-se na posição de realizar um primeiro de maio independente de tudo isso. Um primeiro de maio de classe, internacionalista, de luta.
Não se unir a este propósito é impulsionar a dominação do movimento operário e da juventude e, particularmente, as mulheres, pela burguesia e pela direita.

O Brasil, com FHC e Lula, viajou no tempo para o passado

Entrevista para o jornal Causa Operária nº 618

Causa Operária – Qual foi a principal característica da política do ano de 2010?

RCP – Nós temos duas situações distintas, embora interligadas. De um lado, temos a situação nacional, onde predominou as eleições e, de outro, a situação internacional onde predominou a situação geral de aprofundamento da crise capitalista. As eleições, a política do governo Lula de aumentar os gastos públicos com objetivos eleitorais, bem como o ingresso de capital especulativo, como reação à crise mundial, permitiram o ilusionismo de que o Brasil está situado fora da crise do sistema capitalista mundial. Isso, porém, é pura ficção. A crise mundial, desmentido os otimistas e apologistas do capitalismo que cantam em verso e prosa a sua capacidade de regeneração, aprofundou-se de maneira drástica. A Europa colocou-se no epicentro da crise, apresentando o resultado das receitas milagrosas de salvação do capitalismo, na forma de uma falência generalizada dos estados que tiveram que arcar com a salvação do sistema financeiro de uma queda fulminante. Foram colocados em marcha os chamados plano de austeridade, que são planos de austeridade e de fome para as massas e de farra financeira para os bancos, uma espécie de socialismo para os ricos e capitalismo africano para os pobres. Ao contrário, também, do que previam estes mesmos otimistas, tanto nas hostes da esquerda como da direita, a crise capitalista mostrou claramente seu efeito revolucionário. As mobilizações na França, em primeiro lugar, mostraram que a política de salvação do capitalismo enfrentará uma enorme resistência operária e popular. Esta contradição, que assumiu um caráter bastante agudo, é a base para a evolução revolucionária das massas. Da crise capitalista nasce a revolução, como sempre explicaram os marxistas. A revolução é um produto direto da crise capitalista, não um fenômeno subjetivo ou espiritual.


Causa Operária – Isto nos leva à polêmica que há dentro de certa parte da esquerda que diz que não se pode falar em revolução porque não há um partido revolucionário. Como você analisa estas teses em relação ao desenvolvimento da crise?


RCP – Esta tese é de um lamentável esquematismo e transforma a teoria marxista da necessidade do partido revolucionário em uma filosofia idealista da pior espécie e quase religiosa. Trotski disse que a crise da humanidade se reduz à crise de direção política do proletariado, o que, apesar de ser uma tese extremamente radical – daí a sua beleza, digo en passant e assinalo que Tróstki era um teórico com extraordinária imaginação dramática e estética -, é absolutamente certa, mas precisa ser compreendida corretamente. Trótski não via a construção da direção revolucionária como uma esfera metafisicamente isolada do restante da realidade social. Todos são fenômenos da luta de classes e todos têm como base a evolução econômica do capitalismo, apenas que são duas formas distintas de manifestação destas contradições econômicas. Gostaria de frizar aqui a palavra forma, em um sentido precisamente de categoria da filosofia dialética. Tanto a revolução das massas em geral como a construção do partido revolucionário são duas manifestações das mesmas contradições econômicas. Muita gente que se acredita trotskista, mas não compreende de fato o marxismo, transformou a idéia de construção do partido revolucionário em um fenômeno metafísico, ou seja, que não tem um caráter concreto, relacionado com o conjunto da luta de classes, mas com uma evolução intelectual, espiritual ou coisa que o valha. É um pensamento messiânico, religioso de uma seita e não uma conclusão de uma análise materialista. Deixando de lado as abstrações mais gerais sobre o problema, é importante tirar uma conclusão prática. A crise de direção do proletariado – que está vinculada à evolução da crise histórica do capitalismo e as vicissitudes da revolução mundial desde 1917 – só pode ser superada pelo desenvolvimento da crise capitalista, da catástrofe capitalista. Não podemos acreditar que sem o colapso do imperialismo mundial e com o levante das massas seja possível superar este problema. A construção de um partido revolucionário depende de que a evolução revolucionária das massas influencie o agrupamento de uma vanguarda que não é um corpo místico, mas o produto da evolução mais profunda destas massas, uma outra forma de manifestação das suas tendências revolucionárias, em termos de organização e de consciência. A vanguarda revolucionária é a organização e a consciência da evolução revolucionária das amplas massas e não o oposto, um produto que, na evolução da ação política transforma-se também em causa. Claro que o processo de organização dessa vanguarda tem suas próprias leis, como todas as formas da luta de classes e é condicionada, em diversos modos e graus, por distintas questões, mas na essência o problema é esse.

Causa Operária – Creio que estas organizações, quando falam em vanguarda estão pensando nas suas organizações, nas suas Internacionais etc. Não seria isso?

RCP – Acredito que sim. No entanto, a experiência já deixou claro que o retrocesso destas organizações – falo sobretudo em termos de consciência e de organização militante e proletária – é um produto das dificuldades de evolução das próprias massas e expressa uma grande deficiência na compreensão dos acontecimentos. A organização de uma vanguarda revolucionária internacional depende não do desenvolvimento aritmético da situação atual, mas da superação da situação atual. As atuais organizações não devem apenas crescer, têm que ser modificadas pela ação das massas, fazendo com que despertem elementos mais revolucionários. A maioria simplesmente deverá desaparecer do cenário e fornecer alguma matéria prima para a construção de novas organizações.

Causa Operária – Este raciocínio vale também para o PCO?

RCP – Sem dúvida alguma. Com todas as qualidades políticas e teóricas que eu atribuo ao nosso partido, ele precisa mudar para se desenvolver. Ele não é apenas o produto de um programa, um espírito sem corpo, mas um fenômeno das lutas, vitórias, derrotas etc. da classe operária nas últimas décadas. O partido é sempre uma forma que precisa modificar de acordo com o conteúdo da situação. A experiência da Revolução Bolchevique mostrou isso também.


Causa Operária – E a situação nacional?


RCP – A situação nacional foi, como eu disse antes, dominada pelo ilusionismo eleitoral. A burguesia brasileira era muito, mas muito consciente mesmo da necessidade deste ilusionismo e procurou travar uma luta contra o PT sem abrir uma crise geral, no que foram relativamente bem sucedidos.


Causa Operária – Por que relativamente?

RCP – Eu penso que a polarização esquerda versus direita que se mostrou nas eleições conduz a uma evolução política fora do regime. A burguesia teria preferido uma discussão menos ideológica, mais administrativa, mas foi obrigada a enveredar por este caminho, que é uma tendência mundial, como se pode ver nos EUA. O controle sobre a eleição foi muito maior, o que é indicativo da crise do regime burguês, uma vez que denota medo de perder o controle sobre o processo político. Falamos muito disso na nossa imprensa e publicamos o livro Eleições brasileiras: um jogo de cartas marcas, de forma que não vou me estender sobre isso. Passado, porém, o período eleitoral, em que se concentra toda a máquina de propaganda política da burguesia e são utilizadas muitas centenas de milhões de dólares para subornar parcelas inteiras da população, fica evidente que a insatisfação popular é muito grande. Assim que a situação econômica deixar de ser esta miragem e a imagem da realidade ficar melhor focalizada na consciência geral, creio que teremos um novo período de lutas.


Causa Operária – Na sua opinião, o que temos pela frente?

RCP – Repito aqui apenas o que já disse nas eleições. O governo terá que realizar o ajuste dos gastos públicos. O gasto foi feito, agora é preciso pagar a conta e toda a política de Dilma Rousseff será para pagar esta conta. Temos que levar em consideração que este é um aumento em uma conta anual de quase 50% do PIB que o governo transfere para os capitalistas. Não se trata da única conta a pagar, mas de uma nova, um aumento na conta. O corte nos gastos públicos já foi anunciado, ataques à Previdência, congelamento salarial dos servidores e isso tudo é apenas o começo. Os que se espantaram quando dissemos que a maravilha econômica brasileira era pura ficção deveriam explicar como a maravilha pariu o monstro feio da política de austeridade.


Causa Operária – Você escreveu dizendo que tudo isso era um estelionato eleitoral, mas o eleitorado do PSDB também tinha sido enganado. Como é isso?

RCP – Na realidade, somente os que votaram na extrema esquerda não foram enganados, uma ínfima minoria. Os votos para Dilma, Serra, Marina e, inclusive, o Psol foram conseguidos com alegações falsas. Ninguém disse que detrás da maravilha econômica viria um plano de austeridade, privatizações etc. Ninguém denunciou as verdadeiras intenções dos dois partidos que açambarcaram a maioria dos votos. Ficaram discutindo coisas que não tinham a menor importância, da religião à corrupção, criando um espetáculo teatral para o estelionato eleitoral. O PSDB não propôs plano de austeridade, mas mais gasto, quando se sabe que tinha na gaveta um plano de ajuste mais drástico do que o do PT. Dilma e Serra, inimigos mortais, unem-se agora para promover outra farra de privatizações, um assalto contra todo o povo brasileiro, quando disseram que não fariam privatizações. Não fosse a confusão política e só isso provocaria uma revolta muito grande. A imprensa capitalista, esta caixa de falsidades, sequer fala nisso, apesar de toda a sua fachada moral.


Causa Operária – Qual é o balanço que deve ser feito dos oito anos do governo Lula?


RCP – Aqui, é preciso situar o debate. Os partidários do PT procuram mostrar que o governo Lula foi um governo social, um governo de esquerda, democrático. Isso, logicamente, só é possível se reduzirmos de maneira absurda os problemas nacionais, das massas e políticos a uma escala infinitesimal, que é a escala da mentalidade da classe média direitista que domina o aparelho do PT e que é a parte mais ativa do seu apoio. Esta escala é, logicamente, a do próprio PSDB, o que quer dizer que é a escala de problemas da burguesia. Para a burguesia, a miséria crescente de dezenas de milhões de brasileiros nunca aparece nessa escala microscópica. Os problemas são muito menores, de administração da realidade miserável e hedionda que eles criaram para a população. Nessa escala Lula pode até parecer um reformista. No entanto, o governo Lula é um gigantesco fracasso do ponto de vista das expectativas que ele criou. Ele nada fez, senão servir como uma fachada para uma política imutável determinada pelos bancos. Para entender isso, é preciso sair da escala infinitesimal e encarar os problemas de grande porte, por exemplo, o caráter e a função do Estado brasileiro na atual situação. O Estado brasileiro é um gigantesco mecanismo de transferência de dinheiro dos 200 milhões de brasileiros para um punhado de bancos e especuladores. Neste último ano de governo, Lula transferiu, só para os bancos, para pagamento dos juros da dívida pública, mais de 300 bilhões. Na escala da política burguesia este problema não existe, está dado, como um dogma religioso e se alguém falar em modificar esta situação, ameaçam o mundo inteiro com desastres apocalípticos. Governar seria administrar as sobras que caem no chão deste faustoso banquete dos banqueiros. Nessas condições, todos os arroubos reformistas do PT só podem ter um caráter medíocre com pouco paralelo histórico e de uma caricatura ridícula, uma política de repartição de sobras. Mesmo estas sobras, as mais aproveitáveis vão para a burguesia e nada para as massas. Lula nesse sentido, foi o administrador da máquina de transferir dinheiro dos pobres para os ricos. Isso só não parece ridículo pela diminuição da escala dos problemas. Nesse particular, sua função foi extraordinariamente importante, nenhum partido, nenhum governante, nas condições de falência do governo neoliberal teria conseguido manter esta máquina monstruosa de roubo permanente da população.


Causa Operária – Os petistas levantam em oposição a estas críticas, o Bolsa-Família…


RCP – Bem, o bolsa-família tem o mérito de deixar clara a antidistribuição de renda que Lula promoveu. São cerca de 15 milhões de famílias miseráveis, ou seja, por volta de 50 milhões de famintos que recebem 40 bilhões, enquanto um grupo de banqueiros, que caberiam todos em uma mesa de banquete recebem 300 bilhões. Qualquer um que saiba matemática do primário, pode fazer as contas e tirar uma conclusão política. O mais cômico é que recentemente recebi uma carta pela internet de um cidadão indignado, reclamando das críticas a Lula e dizendo que ele, Lula, é mais comunista do que o PCO. Isso seria verdade somente no sentido de comunização da riqueza social para meia dúzia de multibilionários. O comunismo de Lula é esquartejar um boi, dar toda a carne para os ricos e o osso para a população. Qualquer pessoa honesta, que não tenha tido o seu pensamento completamente dominado pela sedução de algum posto ou verba estatal estará obrigado a concordar comigo.
A função do bolsa-família não é ajudar ninguém, mas uma função puramente contra-revolucionária: atirar um osso para a população para evitar a revolta social dos esmagados pelos beneficiários da situação. É muito conhecida na África, onde o imperialismo espalha a miséria por todos os lados e depois distribui remédios, comida etc. É para acalmar a vítimas da barbárie capitalista. É uma política bárbara utilizada para criar as condições para preservar, estabilizar e aumentar a exploração de toda uma nação de milhões de habitantes por uns poucos parasitas sociais. A burguesia brasileira é partidária consciente da barbárie social. Isso fica claro pelas críticas que vêm das hostes do PSDB contra o bolsa-família, de que as milhões de vítimas do capitalismo que recebem esta miséria não querem trabalhar, estão comprando eletro-domésticos. São uns nazistas que têm que ser esmagados pela mobilização popular. Lula funciona como um amortecedor para impedir este castigo salutar, necessário e indispensável que o povo deve dar nos parasitas e nos seus cúmplices políticos.
Esta dupla avaliação é a essência da política de Lula e do PT no governo. Aqui, é preciso um esclarecimento de método. A política revolucionária, proletária, marxista é baseada na defesa dos interesses econômicos do proletariado e da maioria da população e em tirar as conclusões puramente políticas dessa defesa, como, por exemplo, a luta por um governo operário. A política da burguesia e da pequena burguesia é idealista, moral, de grandes frases, na maioria vazias de conteúdo. Por este motivo, Lula parece ser esquerdista e reformista. É uma opinião de um setor desta classe média que vive alienada da realidade, em um paraíso ideal e moral. Então, Lula faz demagogia ecológica, com as mulheres, com os negros, com os homossexuais, com ninharias democráticas, com a cultura etc., mas o dinheiro vai todo para os bancos. Sua base de apoio, em particular aqueles centenas de milhares que estão em bem remunerados cargos públicos, consideram que toda esta verborragia demagógica é uma grande conquista, quando, na realidade, é apenas ilusão política. A demagogia não se sustenta nem mesmo nestas questões democráticas secundárias. Basta ver que o governo Lula acabou dando um passo atrás na questão do aborto e, por conseguinte, das mulheres, quando Dilma Rousseff, candidata mulher, prometeu ao papa não modificar a lei de aborto.


Causa Operária – Por que questões democráticas secundárias?

RCP – A questão democrática fundamental é a questão do poder. Uma pequena reforma política democrática sempre será letra morta se o poder político dos oprimidos não se eleva constantemente e, finalmente, em última instância, se transforma em poder do Estado. Nesse sentido, sob o governo Lula questões democráticas essenciais como o direito de greve, de organização partidária e sindical, foram ainda mais sufocadas. Nessas condições, a lei Maria da Penha, por exemplo, não tem qualquer base para se sustentar. A luta das mulheres não tem a menor possibilidade de progredir como uma luta democrática isolada da luta política geral. Não compreender isso é caminhar para a derrota política. Lula solapou ainda mais o poder político da classe operária e das massas e criou penduricalhos democráticos. É evidente que isso tem um valor muito pequeno e que quem não tem poder algum, não terá direito algum real nem nenhum campo.


Causa Operária – Como este quadro pode ser revertido? Será revertido no governo de Dilma Rousseff?

RCP – A condição fundamental para a modificação deste quadro político é mudança na relação de forças. De qual relação de forças se trata, no entanto? A relação de forças fundamental em uma sociedade capitalista é aquela entre a classe operária e o setor fundamental da burguesia, o grande capital e o imperialismo. O problema com todas as lutas e crise até o momento está em que a classe operária ainda não despertou. A classe operária brasileira e mundial sofreu muitos revezes nos últimos anos, que não foram decisivos, uma vez que as suas organizações não foram esmagadas e, sobretudo, a incorporação de enormes contingentes de mão-de-obra de diversos países com as privatizações, a liquidação dos Estados operários veio a deprimir o mercado de trabalho por um período considerável. As atuais mobilizações, nos EUA e na Europa já mostram a tendência ao ingresso massivo da classe operária nas mobilizações. A greve dos petroleiros franceses foi um sinal muito importante desta tendência. Porém, é preciso que fique claro que o refluxo operário tem muito a ver, tem a ver sobretudo com as direções, que se apóiam nesta situação desfavorável. Nesse sentido, o papel do PT é de uma importância decisiva e central. O PT, pelo seu controle das principais organizações operárias do País através da burocracia sindical que dirige a CUT e os principais sindicatos operários é um mecanismo fundamental e indispensável para a integração da classe operária ao Estado capitalista. A formação da Frente Popular, a partir de 1989, criou uma engrenagem política que hoje é a única engrenagem que pode fazer funcionar o regime pseudo parlamentar que existe no Brasil. Somente com o apoio – forçado é claro – da classe operária ao governo FHC é que este governo monstruoso foi possível. Sem o apoio decidido da burocracia sindical e parlamentar do PT, FHC não teria conseguido nada sem uma crise revolucionária.


Causa Operária – E qual é o saldo da política de Frente Popular durante estes oito anos de governo?

RCP – A política é dialética e a contenção, que permitiu à burguesia governar e arrancar o couro ao povo, tem o seu efeito revolucionário. Embora, a experiência da classe operária com o governo Lula não esteja completa e eu enfatizo a palavra completa, é importante dizer que foi uma importante experiência. Os trabalhadores viram os seus sindicatos servir como correia de transmissão patronal e governamental abertamente. O governo Lula nada deu à classe operária e, agora, a farra financeira vai se escoando sem qualquer ganho para os trabalhadores. Esta experiência de oito anos será decisiva nos próximos acontecimentos. Ela será o broto que vai desabrochar completamente através da ação das massas em um amplo cenário político de mobilizações. Essa experiência coloca em pauta desde já o problema do partido operário e da central sindical, digamos assim, da centralização política da classe operária para lutar pelos seus interesses imediatos e históricos. São problemas aos quais o PT e a CUT deram uma resposta provisória e deturpada e que agora tendem a se recolocar sobre a base desta experiência toda.


Causa Operária – Qual é o balanço do governo Lula do ponto de vista histórico?


RCP – Este é o aspecto mais grave de toda a avaliação do governo Lula. É evidente que a escala do reformismo liliputiano do PT a que me referi antes, deixa completamente de fora a História. Na propaganda petista e da burguesia, o Brasil vai para o primeiro mundo, é a próxima Suíça das Américas. É uma piada de mau gosto, uma espécie de humor negro. O Brasil, com FHC e Lula, viajou no tempo para o passado. Boa parte da indústria nacional foi liquidada, a dependência financeira do País acentuou-se e a miséria da população atingiu um patamar inédito de mais de um terço da população. O bolsa-família é testemunha deste retrocesso. País que vai para a frente economicamente não precisa de caridade. A poupança nacional, problema fundamental de todo país atrasado, foi entregue de uma maneira também inédita ao capital estrangeiro ou ao capital mais parasitário do país que equivale ao estrangeiro. A conta destes 16 anos de governo Lula-FHC, assim mesmo com hífen, deverá ser paga por gerações de brasileiros, se não for realizada uma mudança radical, ou seja, revolucionária no Estado e na organização social.